quinta-feira, 9 de abril de 2009

a seat by the window, please!

Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião. A ansiedade de voar era enorme. Eu queria me sentar ao lado da janela de qualquer jeito, acompanhar o vôo desde o primeiro momento e sentir o avião correndo na pista cada vez mais rápido até a decolagem. Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião rompendo as nuvens, chegando ao céu azul. Tudo era novidade e fantasia.

Cresci, me formei, comecei a trabalhar. Desde o início, viajar era um desejo constante. Conhecer outras cidades, outros países, lugares diferentes sempre me fascinaram. No início pedia sempre poltronas ao lado da janela, e, ainda com olhos de menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e nem me incomodava de esperar um pouco mais para sair do avião, pegar a bagagem, coisa e tal.

O tempo foi passando e podia ficar ausente do tabalho apenas por poucos dias, e já não fazia questão de me sentar à janela, nem mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades abaixo, o mar ou qualquer paisagem que fosse. Perdi um pouco do encanto. Pensava somente em chegar e sair, me acomodar rápido e sair rápido. As poltronas do corredor agora eram exigência . Mais fáceis para sair, sem ter que esperar ninguém, sempre e sempre preocupado com a hora, com o compromisso, com tudo, menos com a viagem, com a paisagem, comigo mesmo.

Em uma viagem recente, por um desses maravilhosos acasos do destino, estava eu louco para voltar a São Paulo numa tarde chuvosa, precisando chegar o mais rápido possível para não pegar o horário de pico e o trânsito infernal da 23 de maio. O vôo estava lotado e o único lugar disponível era uma janela, na última poltrona. Sem pensar concordei de imediato, peguei meu bilhete e fui correndo para o portão. Embarquei no avião, me acomodei na poltrona indicada: a janela. Janela que há muito eu não via, ou melhor, pela qual já não me preocupava em olhar.

E, num rompante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez em que voara. Senti novamente, e estranhamente, aquela ansiedade, aquele frio na barriga. Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até que, tendo passado pela chuva, apareceu o céu. Era de um azul tão lindo como jamais tinha visto. E também o sol, que brilhava como se tivesse acabado de nascer.

Naquele instante em que voltei a ser criança, percebi que estava deixando de viver um pouco a cada voo em que desprezava aquela vista. Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha vida eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por exemplo, olhar pela janela das minhas amizades, dos meus relacionamentos, do meu trabalho e convívio pessoal?

Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber, deixamos de olhar pela janela da nossa vida. Ela também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela, perdemos o que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias, tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos. Se viajarmos somente na poltrona do corredor, com pressa de chegar sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de apreciar uma das belezas que viagem nos oferece.

Se você também está num ritmo acelerado, pedindo sempre poltronas no corredor para embarcar e desembarcar rápido e ganhar tempo, pare um pouco e reflita sobre aonde você quer chegar. A aeronave da nossa existência voa célere e a duração do voo não é anunciada pelo comandante. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Por essa razão, vale a pena sentar próximo da janela para não perder nenhum detalhe.

Afinal, a vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Capítulo XXIX - Epílogo


- O que Bruno lhe disse de tão importante naquela noite? - perguntou Jeitosinha, ansiosa, ao travesti Kátia Trovoada.
- Bem, mona, ele chegou aqui todo sem gracinha. Estava bem bêbado, mas nem por isso perdeu a timidez.
- Sei, e então? - a loira mal controlava suas emoções.
- Então eu perguntei como ele queria, e coisa e tal... ele me disse que era a sua primeira vez num lugar como esse, e provavelmente a última.
- O que mais?
- Bem, ele disse que não estava à vontade, mas que precisava se colocar à prova, por amor. Na ocasião não entendi nada, pensei que era coisa de bêbado, mas agora...
Os olhos de Jeitosinha brilharam:
- Sim! Como não pensei nisso antes? Ele queria saber se conseguiria se adaptar ao meu estranho jeito de amá-lo!
- Ah, santa, carinha de quem estava se adaptando ele fez! - emendou Kátia, com um gesto afetado.
- Vou procurá-lo agora mesmo!
Enquanto Jeitosinha corria para os braços de seu amado, Bruno colocava um ponto final em sua relação com Adenaíra. Foi uma longa conversa, que terminou em clima cordial.
- Não me leve a mal. Pensei que pudesse esquecer Jeitosinha, mas é impossível. De alguma maneira, sinto que quando estou com ela tudo parece se encaixar.
- Se eu tivesse sabido antes... - lamentou Adenaíra. - De qualquer forma, devo-lhe minha vida. Sou grata pelos dias que passamos juntos e pelos seus cuidados. Espero que um dia você e Jeitosinha possam voltar a se entender.
- Não creio ser possível.
- Que segredo você guarda sobre ela? Existe algo mais além da particularidade anatômica?
- Não me force a dizer. Só lhe adianto que sua irmã não é quem parece ser.
Neste momento a porta da sala se abre de forma dramática.
- Sim, Bruno! Sim, meu amor! Sou sua Jeitosinha! Jamais fui tocada por outro homem que não você!
É claro que àquela altura do campeonato, falar sobre Beth Balanço era perfeitamente dispensável. Aliás, ela era uma mulher.
- Não pode ser! Eu vi você naquele local deplorável!
- Eu vinha sendo chantageada por Arlindo, mas não cheguei a entrar em ação! É uma longa história meu amor.
Bruno começou a se despir de sua casca de rancor.
- Eu... eu também só fui lá naquele dia porque...
- Eu já sei. Esqueça, Bruno, não diga nada. Apenas me beije!
Cabisbaixa, Adenaíra deixou o apartamento de Bruno e seguiu a esmo pelas ruas escuras da cidade.
Jeitosinha e seu homem se amaram loucamente, como estavam predestinados a fazer por muitos e muitos anos.

Não muito longe dali, uma nave espacial alienígena pousa no matagal.
- Porque voltamos, chefe? - perguntou uma das criaturas verdes.
- Veja com seus próprios olhos! Compramos gato por lebre!
O ET entregou ao colega um exemplar de uma popular revista pornográfica.
- Ué... aquela moça que trouxemos à nave tinha um detalhe a mais.
- Claro! Era um homem disfarçado!
- Como o senhor descobriu?
- Bem, já tínhamos até saído desta galáxia quando resolvi folhear umas revistas que levei de recordação deste planetinha atrasado. Foi aí que me deparei com estas fotos de mulheres nuas e percebi tudo: as fêmeas daqui são, aparentemente, exatamente como as nossas! Tudo indica que estão prontas para reproduzir nossos filhos!
- Que beleza, chefe! O que faremos?
- O óbvio: pegaremos uma outra mulher, nos certificaremos de que ela não tem nenhum complemento indesejável e voltaremos às nossas experiências!
- Então aproveita, chefe! - disse um dos homens verdes, olhando pela escotilha. - Vem vindo uma gatona ali!
E foi assim que Adenaíra acabou nas mãos dos extraterrestres. Por mais que os cientistas do outro mundo se esforçassem, continuaram sem entender o mecanismo de reprodução dos seres humanos.
Adenaíra nunca mais foi vista. E como Jeitosinha preferiu guardar segredo sobre sua experiência com os ETs, o planeta Terra nunca soube que duas irmãs, numa surpreendente manobra do destino, acabaram salvando a humanidade.

Hoje, quem vê na missa dominical Jeitosinha e Bruno com suas lindas crianças adotadas, nem imagina que, por trás daquela aparente normalidade, repousa um segredo e uma história surpreendente. E se vocês acham que os homenzinhos verdes são a parte mais bizarra desta saga, é porque não viram Jeitosinha e Bruno em seus momentos de intimidade.


O FIM

domingo, 5 de abril de 2009

Capítulo XXVIII - Desfechos Finais


Alguns dias se passaram desde a morte de Ambrósio. Adenaíra vinha se recuperando da infecção hospitalar. Bruno a levara para sua casa e a convivência era amigável. A nova moça se esforçava para transformar aquele apartamento de solteiro em um lar, e o rapaz gostava de sua companhia. Mas não conseguia esquecer Jeitosinha e ainda sentia um enorme, digamos, vazio por dentro.

Como era de se esperar, os exames periciais confirmaram que tratava-se da letra de Ambrósio no bilhete. Provaram também que as digitais eram mesmo de Arlindo. Impotente diante da armadilha da irmã, e diante das péssimas condições da carceragem, o rapaz simplesmente enlouqueceu. Ora pensava ser Napoleão, ora delirava como Fernando Collor.

Na casa de Jeitosinha, todos se esforçavam para retomar às rotinas de suas vidas. Adenaíra escrevera contando da operação e de como estava feliz com sua nova condição. Omitira, entretanto, que era hóspede de Bruno.

No bordel de Madame Mary, Jeitosinha buscava superar a perda do seu amado nos braços de Beth Balanço. O treinamento da loira continuava. Na penumbra do seu escritório, a cafetina continuava instruindo Jeitosinha sobre os mistérios do amor e do sexo, mas ainda eram apenas aulas teóricas, o que já estava deixando nossa heroína impaciente.
- Às vezes sinto que a senhora, deliberadamente, está adiando minha estréia profissional. - questionou um dia Jeitosinha.
Pela primeira vez, a sempre segura Madame Mary pareceu incomodada.
- Que bobagem, querida. Já lhe disse, tenho uma imagem a zelar. Tudo virá a seu tempo.
Jeitosinha vinha se abrindo cada vez mais com a patroa. Chegou a confessar o atentado com a serra-elétrica, o plano que incriminou Arlindo e o desejo de se vingar da mãe.
Madame Mary a tudo ouvia, sem emitir qualquer opinião. Naquela tarde, entretanto, encontrou Jeitosinha mais fragilizada do que de costume.
- O que houve, criança? - perguntou a cafetina.
- Não sei o que está havendo comigo, Madame Mary. - disse a loira, com a voz embargada.
- Talvez seja a falta de Bruno, ou o remorso por ter tirado a vida do meu pai. Mas o fato é que estou fraquejando. Começo a achar que talvez mamãe não seja assim tão culpada pelo meu destino. Talvez seja a maior das vítimas, preservando um segredo por tantos anos apenas para poupar a todos da ira de Ambrósio.
- O que você quer dizer com isso? - perguntou Mary.
- Quero dizer que estou cansada de ódio e sofrimento. Vou buscar minha felicidade. E começarei procurando mamãe e dizendo que a perdôo.
- Não creio que você precise procurá-la. - disse Madame Mary, num tom de voz bastante familiar.
A mulher aproximou-se do fraco abajur que iluminava o escritório, e, com lágrimas banhando o rosto, retirou sua máscara.
- Mamãe? É você! Não pode ser!
- Claro que sou eu, querida. Você acha que com o salário de contínuo do seu pai conseguiríamos criar sete filhos e ainda comprar pra você a coleção completa da Barbie?
- Então é por isso que o meu treinamento nunca terminou! Você não queria prostituir a própria filha!
- Sim, este foi apenas um dos muitos sacrifícios que fiz por você. Fui eu quem joguei fora os restos mortais de Ambrósio e limpei a bagunça na sala. O telefonema e o bilhete falando da pescaria também foram invenções minhas.
- Então... papai realmente havia morrido? - espantou-se.
- Sim! Só não me pergunte como ele voltou à vida. Talvez tenha sido um milagre dos céus para poupá-la, Jeitosinha. Você já havia sofrido demais, e aquele plano da serra-elétrica era simplesmente ridículo. Você deixou suas digitais espalhadas pela casa inteira! O segundo crime foi muito mais requintado, e ainda puniu o chantagista do Arlindo.
Jeitosinha abraçou a mãe, emocionada. Finalmente, quase tudo parecia se encaixar. Era um tempo de recomeço. De repente, Jeitosinha percebeu que o bordel nunca fora seu lugar. O que de fato a atraía era o magnetismo de Madame Mary, que não era ninguém menos que a sua Marilena. Não fosse a saudade que sentia de Bruno, tudo estaria perfeito em sua vida.
No final daquela tarde, Jeitosinha se despediu das colegas de bordel.
- Vou tirar um tempo para mim. Preciso repensar minha vida. Talvez volte a esta casa como auxiliar de mamãe, não sei. O importante é que fiz muitos amigos aqui.
Beth Balanço chorava copiosamente.
- Está tudo acabado entre nós? - perguntou.
- Sim, Beth, não adianta. Bruno é o meu único amor. Preciso esquecê-lo antes de poder recomeçar com outra pessoa.
Beth pareceu entender. Tanto que deu a Jeitosinha um conselho bem prático:
- Se você o ama tanto, porque não tenta uma reaproximação? Tudo bem, ele pensa que você é uma de nós, mas você, em contrapartida, flagrou-o nos braços da Kátia Trovoada.
Kátia, o traveco moreno que possuiu Bruno, espantou-se:
- Aquele era o seu bofe? Ih, menina, você está sofrendo à toa!
- Como assim? - surpreendeu-se Jeitosinha.
E Kátia começou a narrar o diálogo que ela e Bruno tiveram antes do ato de amor.

Quais serão as revelações de Kátia?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Capítulo XXVII - O Desfecho do Assassinato


-Eu não matei papai!
Arlindo gritava com a convicção dos inocentes, mas a detetive Vanessa estava impassível.
- Você vai explicar isso ao tribunal. Temos evidências mais do que suficientes para prendê-lo.
- Quais? Quais são as evidências? - perguntou, inconformado.
- Seu pai amanheceu morto, e tudo indica que foi envenenado. Sua mãe percebeu logo no começo da manhã e nos chamou. Enquanto você dormia, procuramos pistas pela casa e encontramos, no fundo de sua gaveta de cuecas, o frasco de um veneno muito poderoso.
- Não pode ser! - interrompeu o encrencado Arlindo. - Alguém colocou isso lá para me incriminar!
Vanessa sorriu com sua frieza habitual.
- Não adianta, Arlindo. É melhor confessar. Você não contava com isso, mas seu pai, prevendo o seu trágico destino, escreveu uma carta.
A moça fez um sinal com os dedos e um dos assistentes entregou-lhe o pedaço de papel. Vanessa prosseguiu.
- Estava no bolso do pijama de Ambrósio. Veja o que diz:
"Se alguém encontrou esta carta, provavelmente já estarei morto. O fato é que recobrei minha memória. Arlindo, meu filho mais velho, foi o responsável pela primeira tentativa de assassinato. Ainda não sei o que farei, mas como ele pode tentar de novo, deixo registrada esta denúncia. Arlindo nunca me perdoou por uma grande surra que lhe dei em sua adolescência, e nunca me perdoou por gostar mais de Jeitosinha. Percebendo que eu finalmente começava a me lembrar de tudo, passou a me ameaçar. Tenho medo de procurar a Polícia. Aliás, como tornei-me um monstro, não faz tanta diferença estar vivo ou morto. Tudo o que desejo é que, caso dê cabo de minha vida, o cruel Arlindo seja punido."
Ambrósio assina a carta. É claro que ainda faremos um exame grafotécnico.
- Não pode ser! Este bilhete é forjado! Você verá! - disse o primogênito de Ambrósio e Marilena.
- Há ainda uma terceira pista. - completou Vanessa.
- Existe este copo, encontrado ao lado da cama do seu pai, com resíduos do mesmo veneno encontrado em seu quarto, dissolvido em suco de groselha. Nele há digitais de duas pessoas diferentes.
"Sim!" - pensou Arlindo. "Agora eu entendo! Foi Jeitosinha! Ela me serviu uísque ontem, neste mesmo copo. Como ela usava luvas, só as marcas de meus dedos estão no vidro!".
Em pânico e tremendo de ódio, Arlindo apontou para a irmã:
- Foi ela! Ela é uma farsa! Um travesti maníaco e assassino! A senhora ouviu, detetive, o próprio papai dizendo isso!
- Seu pai estava muito abalado. Este tipo de confusão é comum. Mesmo sem querer, Jeitosinha era o pivô dos desentendimentos. Talvez por isso ele a tenha visto em seu delírio. Agora, que história é essa de travesti?. - Vanessa dirigiu a pergunta a Marilena.
- Arlindo está tentando confundi-la, detetive. - a mãe não perdeu a chance de socorrer a filha naquele momento dramático.
- Quer comprovar? - disse Jeitosinha, contando com a negativa de Vanessa.
- Não é preciso, querida. Sei bem como são os homens. Estão sempre tentando encontrar algum defeito nas mulheres bonitas.
Vanessa dirigiu-se aos assistentes e ordenou:
- Levem-no. Vamos esperar o exame da letra no bilhete e das marcas no copo. Você vai aguardar na cadeia o resultado, Arlindo. E caso se comprovem as evidências, não sairá de lá tão cedo.
Debatendo-se e gritando, o cruel Arlindo foi recolhido ao camburão.
Os policiais deixaram a casa e Marilena finalmente demonstrou sua dor chorando convulsivamente.
Na verdade sentia-se aliviada pelo fim de Ambrósio, mas não se conformava com o fato de que um de seus filhos tivesse assassinado o homem.
- Jeitosinha, porque Arlindo tentou incriminá-la?
- Você sabe que ele me odeia, mamãe.
Jeitosinha estava calma e segura. Beijou suavemente o rosto de Marilena e foi para o quarto, já pensando no próximo ato de seu circo de horrores.

Tornar-se-á Jeitosinha uma assassina em série?

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Capítulo XXVI - A Mulher Inesquecível


Jeitosinha entregou ao pai uma caneta e um pedaço de papel.
- Assine esta folha em branco.
- M-mas, filha, você sabe que eu não tenho posses.
- Apenas assine!
Meio vacilante, Ambrósio escreveu seu nome no papel.
- Pronto. Estou livre agora?
- Sim. - disse a moça, sorrindo sarcasticamente.
- Tenha bons sonhos.
Jeitosinha foi para seu quarto e esperou pacientemente que todos voltassem para casa. A mãe, que sempre se envolvia nas atividades da Igreja, voltou de uma novena. Os irmãos foram chegando, um a um, se amontoando em volta da TV, como sempre faziam.
Normalmente Arlindo, mais arredio, preferia ficar lendo em algum canto da casa até que todos se recolhessem. Era a hora em que finalmente tinha a sala só para ele, e ficava zapeando os canais de TV.
No silêncio da madrugada, Jeitosinha aproximou-se de Arlindo, vestida como uma Diva do cinema. O longo vestido negro, que exibia seus ombros e expunha parte dos seios, a abertura lateral, por onde podia-se ver furtivamente a longa extensão de sua perna esquerda, o par de luvas cobrindo os braços até além do cotovelo... Tudo remetia à inesquecível Gilda.
Arlindo surpreendeu-se com a maturidade da beleza da irmã, que trazia em um copo uma dose de uísque.
- Sabe, irmão, às vezes a felicidade chega até nós por caminhos estranhos.
- O que você quer dizer? - espantou-se.
- Quero dizer que encontrei meu verdadeiro eu no bordel de Madame Mary. E devo isso a você.
Jeitosinha sorveu um gole generoso de uísque e ofereceu o copo ao irmão.
- Beba comigo. Vamos selar com esta dose de uísque a paz entre nós.
Arlindo pegou o copo com desconfiança. Mas a irmã acabara de provar da bebida, descartando a possibilidade de que estivesse envenenada.
Nervoso, ele bebeu todo o líquido do copo, devolvendo-o à loira.
Jeitosinha pegou uma pedra de gelo e passou provocativamente no pescoço e nos seios. Depois, debruçou-se sobre Arlindo, alisou sua coxa direita e, tocando os lábios em seu ouvido esquerdo, murmurou:
- Amanhã, irmão querido, todos nós começaremos uma vida nova.
A loira disse esta frase enigmática e se retirou.
O cruel Arlindo chegou a pensar que sua irmã estava tão desequilibrada quanto o pai.
Mas logo voltou a entreter-se com um filme barato de TV, antes de mergulhar em um sono profundo.

No hospital público, Adenaíra abria os olhos:
- B-bruno... Pensei que tinha sido um sonho.
- Estou aqui. Estou te esperando. - a frase brotou sem nenhuma convicção.
- Me esperando? - perguntou a nova irmã de Jeitosinha.
- Sim. Você precisa lutar. Precisa superar esta doença. Vou estar ao seu lado.
- Oh, Bruno! Você vai me dar uma chance?
- O tempo dirá. Por enquanto, prometo-lhe apenas minha atenção e minha amizade.
- Você não sabe como este simples fio de esperança me deixa feliz! - disse a moça, já com uma certa luz no rosto pálido e febril.

Na manhã seguinte, Arlindo acordou no mesmo sofá onde bebera com Jeitosinha. Entretanto estava cercado por policiais e algemado. No comando da operação, a detetive Vanessa dirigiu-se a ele, exibindo no semblante a realização pelo dever cumprido.
- Você está preso.
- M-mas... Eu não fiz nada! - espantou-se o rapaz. - Qual a acusação?
- Assassinato!
- Não! - o grito de Arlindo ecoou pela sala...

Quem morreu desta vez?


N.A. - There never was a woman like Gilda:

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Capítulo XXV - O Drama de Adenaíra


- Adenaíra contraiu uma gravíssima infecção hospitalar, filho. - disse o médico.
Bruno ficou chocado com a notícia. O Adenair que conhecera era tão alegre, tão saltitante. "Assim, adormecido e com esta touca, é incrível a semelhança com Jeitosinha." - pensou.
Adenaíra abriu os olhos e viu Bruno, ao seu lado, com as bandagens envolvendo a cabeça.
- O que houve, meu amor? - balbuciou.
- Nada, não se preocupe. Caí da escada - mentiu o rapaz, numa tentativa de minimizar o sofrimento daquela recém mulher.
- E-eu fiz isso por você, Bruno. F-fiz por amor...
Os olhos de Adenaíra voltaram a se fechar.
- Doutor, quais as chances? - perguntou o angustiado rapaz.
- Depende muito. Ela pode simplesmente se entregar à doença, e então as chances serão mínimas. Mas se ela se apegar a algo que a faça querer viver, e se o antibiótico no estoque não estiver vencido, talvez ela tenha alguma chance.
- É uma pena. Gostaria de poder ajudar.
- Você pode! - disse o médico - Ela o ama! Dê-lhe esperanças!
Bruno continuava perdidamente apaixonado por Jeitosinha. E o que é pior: pela Jeitosinha completa, versão de fábrica. "Se Adenair soubesse que seu sacrifício ao realizar a cirurgia apenas aumentou o abismo entre nós..." - refletiu.
Mas, por outro lado, tentar salvar uma vida era motivação suficiente para fazê-lo recuperar o amor pela sua própria existência, depois da grande desilusão de encontrar a amada trabalhando num bordel.
Via como algo mais que uma simples coincidência o fato de que estavam juntos na mesma enfermaria.
- Tudo bem, doutor. Eu vou ajudar! - concluiu, conformado com aquele jogo do destino.

Em sua casa, sozinho no quarto, Ambrósio tentava reorganizar suas idéias.
Será que foi mesmo vítima de Jeitosinha? E os homens verdes? Novas imagens se formaram em sua mente depois do choque diante da detetive Vanessa. Lembrava-se, remotamente, de uma linda menina loira, que ele amava muito. Sim, talvez fosse Jeitosinha.
Ele começava a se lembrar dela. Para preservar sua sanidade, Ambrósio estava disposto a não associar a filha àquela cena dantesca e simplesmente esquecer o ocorrido.
Mas Jeitosinha não.
Aproveitando-se do fato de que estavam a sós na casa, a moça entrou no quarto dos pais para conversar com o seu deformado genitor.
- Papai...
- J-jeitosinha? - Ambrósio ainda tinha uma ponta de medo na voz. - Desculpe-me pelas acusações na sala. Minha cabeça não anda boa.
- Engana-se, velho sórdido. Sua cabeça anda melhor do que você pensa.
Ambrósio foi tomado pelo pânico! Aquele sorriso sarcástico e cruel! Sim, não fora uma fantasia! Jeitosinha o havia mutilado com a moto-serra!
- Não! - gritou o homem. - Me deixe em paz! Socorro!
- Grite. Ninguém lhe ouvirá.
- Não me mate! - implorou, de joelhos, abraçando os pés da loira.
- Eu não seria tão imbecil. Não agora, com aquela detetive intrometida por perto. Mas eu lhe aviso: se repetir aquelas acusações para quem quer que seja, não pensarei duas vezes antes de consumar o serviço que pensei ter finalizado.
- Sim, sim... - disse Ambrósio, patético, entre lágrimas. - Serei um túmulo! Mas, por favor, me ajude. Ainda não sei se estou bem. Me lembro de algumas imagens completamente surreais. Homens verdes e... e...
Jeitosinha sorriu maliciosamente, abriu o zíper expôs seu enorme mistério.
- Sim, Ambrósio. Pelo menos isto é real. Mas que história é essa de homens verdes? Que idiota colocaria estúpidos homens verdes em nossas vidas?
O homem sacudiu a cabeça, confuso. Jeitosinha acariciou sua cabeça, fazendo-o se encolher ainda mais.
- Vou deixar-lhe em paz por enquanto. Mas tenho um pedido: você me ajudará no meu próximo plano de vingança.

Qual será o novo plano de Jeitosinha?

terça-feira, 31 de março de 2009

Capítulo XXIV - Ele Morreu?


A detetive Vanessa sentou-se no sofá que outrora estivera coberto pelo sangue de Ambrósio. Acendeu um cigarro e cruzou lentamente as pernas, numa cena instintivamente selvagem.
- Creio que a senhora chegou tarde.- apressou-se em explicar Marilena. - Meu marido já voltou.
- Ele é o Ambrósio? - espantou-se Vanessa, sem conseguir esconder sua expressão de asco. - E o que, ou quem, fez isso a ele?
- Ainda não sabemos. - disse Arlindo.
- Com certeza foi algum acidente. - emendou Jeitosinha, um pouco nervosa.
A experiente Vanessa percebeu o ambiente pesado no ar. "Aqui, com certeza, se escondem grandes segredos." - pensou.
Fascinada pelo ofício, naquele momento a bela detetive soube que não teria sossego enquanto não desvendasse cada detalhe do que já chamava de "O Caso Ambrósio".
- Conte-me, meu bom homem, quem lhe feriu?
Ambrósio tremeu à simples lembrança de fragmentos da cena, que ele sequer conseguia verbalizar.
- N-não me lembro. Não quero saber. Eu estou bem.
A mulher o tocou carinhosamente.
- Procure se lembrar... estas marcas... foi, sem dúvida, uma arma cortante. Talvez uma lâmina grossa... uma serra...
- Não! - Ambrósio encolheu-se, em pânico, protegendo a cabeça com as mãos.
Jeitosinha sentiu um arrepio na espinha. E se o pai recobrasse a memória?
A detetive continuou seu trabalho. - Procure se lembrar... uma pessoa, uma imagem...
Ambrósio subitamente silenciou-se. Com os olhos fixos na linda policial exclamou baixinho:
- Sim... eu me lembro de algo. Sim!
- O quê? O quê? - a excitação de Vanessa era quase sexual.
- Foi ela! Foi ela! - gritou, apontando para Jeitosinha.
-É mentira! - gritou Jeitosinha.
-Cale-se! Deixe o homem concluir seu relato! - disse a detetive. E voltando-se para Ambrósio:
- Diga, senhor. Ela fez isso com você? E depois?
- Depois homens verdes numa nave espacial me trouxeram de volta à vida!
A policial sorriu, constrangida, e abraçou o fragilizado homem.
- Homens verdes? É uma alucinação, sem dúvida. Por hoje é só. Mas me aguardem. Vou continuar as investigações.
Jeitosinha sentiu-se mais leve. Marilena e Arlindo olharam para o pai e para a loira, com expressões indecifráveis.

Longe dali, a primeira coisa que Bruno viu foi uma luz branca e intensa. O rosto de Jeitosinha sorria para ele, emoldurado por centenas de pênis de todos os tamanhos e formas. - Estou na paraíso! - sussurrou.
Mas o delírio foi interrompido pela penetração contundente de uma agulha de injeção em seu braço. De olhos abertos, o confuso rapaz viu um homem de roupa alva, parado ao lado da cama de hospital onde estava deitado.
- Você nasceu de novo, filho. A bala acertou de raspão a sua fronte.
- O-onde estou?
- Na enfermaria.
Bruno percorreu o lugar com os olhos e não acreditou no que viu. Com uma touca cobrindo os cabelos, adormecida na cama ao lado, encontrava-se ninguém menos que a sua amada.
- Jeitosinha! - exclamou.
- Só se for nome de guerra. - corrigiu o médico. - Ele chegou aqui como Adenair, agora é Adenaíra.
- Adenaíra? - espantou-se.
- Sim. Ele submeteu-se ontem a uma cirurgia para mudança de sexo. Mas talvez nunca aproveite sua nova anatomia.
- Porquê doutor? Porquê?
O homem tomou um longo fôlego antes de explicar a Bruno o drama do ex-irmão, agora irmã, de Jeitosinha.

Que será que deu errado com Adenaíra?

segunda-feira, 30 de março de 2009

Capítulo XXIII - A Reação de Ambrósio


Por trinta segundos que pareceram uma eternidade, Jeitosinha e Ambrósio se encararam fixamente. Ela vinha aprendendo no bordel de Madame Mary tudo sobre a arte da dissimulação. E conseguiu camuflar o medo, a surpresa e a confusão mental que lhe causava a imagem, bem ali na sua frente, do homem que assassinara.
A expressão de Ambrósio era inocente, quase infantil. O fio de baba intermitente continuava a banhar-lhe o queixo. Com sua voz pastosa, após o constrangedor silêncio, ele perguntou:
- Quem é você?
Jeitosinha suspirou aliviada. Continuava sem entender o que havia acontecido. As marcas de cortes no rosto e nos braços do pai indicavam que ela realmente o havia ferido, mas talvez não tivesse consumado o crime, pensou. Talvez tenha sofrido alguma espécie de alucinação durante o ataque com a serra-elétrica. Talvez Ambrósio tenha conseguido sair da casa, se arrastando. Mesmo assim, quem limpara o chão e os móveis?
Nada disso era tão importante quanto o fato de que seu pai, talvez pelo choque de ter sido vitimado pela própria filha, não conseguia reconhecê-la. "Deve ser algum tipo de defesa emocional." - concluiu.
Muito mais desconfortável com a situação estava Arlindo. Seu plano de explorar a irmã esvaziara-se em parte com a reação do pai ao vê-la. Se Ambrósio não reconhecia Jeitosinha, e havia perdido sua índole opressora, o que a irmã teria a temer?
De fato, a moça não tinha mais nada a perder. Depois da decepção com seu amado Bruno e todas as emoções que tomaram sua vida de assalto, o futuro se configurava diferente. Ela trocou olhares com Arlindo. Sorriu, superiora, e ele entendeu o recado. Jeitosinha estava livre de sua influência maligna mas, curiosamente, não pensava em abandonar o bordel de Madame Mary.
A misteriosa mulher - que ela mal vira e que não poderia reconhecer sob a máscara - de alguma maneira fez com que recuperasse sua auto-estima. Na casa de encontros a aceitavam como ela era. E agora havia ainda Beth Balanço, a linda ruiva que havia lhe despertado estranhas emoções. Ela vinha, aliás, fazendo um esforço sobre-humano para esquecer Bruno e tentava se apegar à emoção daquela tarde de prazer como se residisse ali a sua salvação.
Se Jeitosinha agora via o bordel como uma benção, isso não significava que ela perdoava Arlindo. Ao contrário, havia planejado para o irmão a mais terrível das vinganças.
Quanto aos pais, o próprio destino havia se encarregado da punição. Ambrósio era agora um ser desprezível, débil e deformado. E sua mãe, que presa às suas convenções sociais jamais encararia a separação, estava condenada a aturar aquele ser repugnante pelo resto da vida.
Jeitosinha estava imersa em sua reflexão quando alguém bateu à porta. Arlindo foi atender e deparou-se com uma morena exuberante, de mais ou menos trinta anos. Ela tinha cabelos negros e lisos, à altura dos ombros. Os olhos de um azul cristalino contrastavam com a pele clara. Mostrando um distintivo ela se apresentou:
- Sou a detetive Vanessa Valente, Polícia Civil. Vim investigar o desaparecimento do Sr. Ambrósio.
Todos na casa, inclusive o próprio Ambrósio, trocaram olhares surpresos.

Do outro lado da cidade, o angustiado Bruno toma sua decisão. Virando a arma em direção à própria cabeça, finalmente aperta o gatilho.

Ele morreu? Ele morreu?

domingo, 29 de março de 2009

Capítulo XXII - A Volta de Ambrósio


Marilena acordou em sua cama, e sua primeira visão foi Aníbal, um dos filhos menos importantes, daqueles que só fazem figuração na trama, sentado ao deu lado.
- Aníbal... que sonho horrível... pensei que seu pai...
- Não foi um sonho, mamãe. Ele voltou!
A mulher gritou em total desespero:
- Não pode ser! Não pode ser!
O filho estranhou a reação. Alheio aos problemas que infernizavam a vida de Marilena, Adenair e Jeitosinha, sem saber que Ambrósio era a causa de muito sofrimento, esperava da mãe uma manifestação de alegria.
- Mãe? Você não entende? O papai voltou! Meio caidaço, é verdade, mas está vivo! Você deveria estar feliz!
A mulher esboçou um sorriso forçado:
- Sim, meu amor, claro. Foi só o susto. Claro que estou feliz.
Neste instante, já de banho tomado e vestindo um velho e confortável pijama, Ambrósio entra no quarto.
- Marilena...
- É você mesmo, Ambrósio? - perguntou a mulher.
- Estou tão deformado assim? Claro que sou eu!
Ambrósio não tinha na voz a rispidez habitual. Parecia fragilizado. Sua fala era pastosa. Um canto da boca não se mexia e um fio permanente de baba escorria rumo ao pescoço.
- O que aconteceu com você?
- Não me lembro. Não consigo me lembrar de muita coisa. Vaguei pelas redondezas e aos poucos as memórias foram voltando. Nossa casa, você, nossos filhos...
- E sobre o acidente que o mutilou?
- Nada. Não me lembro de nada. Só vejo uma cena estranha, assustadora e irreal. Não quero falar sobre isso.
Os olhos do homem transmitiam o pavor que lhe causava a simples menção da cena. E a imagem que vinha à sua cabeça era a de um travesti, loiro e nu, empunhando uma serra elétrica.

No hospital público, Adenair acordava da anestesia.
- C-como foi a cirurgia, doutor? - perguntou ao homem de branco parado ao seu lado.
- Foi bem. Não consegui fazer um acabamento muito bom. Sabe como é, cirurgia plástica é uma coisa complicada... Mas eu mesmo já vi muita vagina mais feia por aí, hehehe...- o médico amigo de Dona Nair insistia em seu humor infame.
- Meu pênis, doutor, o que vocês fizeram com ele? Mesmo detestando o que ele considerava um corpo estranho, Adenair sabia que era um pedaço seu que havia sido extirpado. E lhe assustava a idéia de que ele pudesse ter ido parar num cesto de lixo hospitalar.
- Fizemos um transplante. Ele agora pertence a um sujeito que teve o seu cortado pela esposa ciumenta.
- Ah! - animou-se Adenair. - Quando recebo alta?
- Amanhã, se tudo correr bem.
"Vai dar tudo certo" - pensou o jovem, ou melhor, a jovem. "Vou virar uma linda mulher, como Jeitosinha, e conquistar o coração de Bruno!"

Em seu apartamento, Bruno ainda olhava fixamente a arma. Sentia-se ultrajado, perdido, confuso e traído. Mas não conseguia evitar que a imagem de sua loira amada lhe viesse à cabeça. "Onde ela estará agora?" - perguntava-se.
Mal sabia ele que Jeitosinha, naquele momento, abria a porta de entrada de sua casa para estar frente a frente com o pai que matara.

Qual será a reação de Ambrósio?

sábado, 28 de março de 2009

Capítulo XXI - O Bilhete de Adenair


O sol despencou no horizonte, tingindo o céu de vermelho. A silhueta perfeita de Jeitosinha, seus longos cabelos loiros, seios voluptuosos, coxas grossas e bunda empinada, recortados pelo céu do entardecer, eram uma visão idílica. A moça coçou o saco e cuspiu no chão.
- Porra, mais essa agora. Achei muito bom ser homem... - resmungou, no jardim florido da casa de Madame Mary, ainda sentindo na boca o gosto de sexo.
Da janela, a ruiva que havia sido possuída por Jeitosinha, cujo nome de guerra era Beth Balanço, suspirava diante da visão do mais radiante e sensual ser humano que já havia conhecido. E olha que ela já tinha transado com metade da torcida do Corinthians.

Em seu apartamento, do outro lado da cidade, o angustiado Bruno olhava fixamente o revólver que empunhava. Acabar com a própria vida parecia ser a solução mais plausível para conseguir um pouco de conforto.

Na casa de Jeitosinha, um fio de lágrima escorria pelo rosto de Marilena enquanto ela lia o bilhete deixado por seu filho, Adenair:
"Querida mamãe, sem a presença opressora de papai, não vejo mais razão para negar minha própria natureza. A verdade é que, embora na teoria tenha dado à luz sete varões, na prática a senhora tem duas filhas. Me sinto tão mulher quanto Jeitosinha. Não tive, como ela, o privilégio de desfrutar da condição feminina, mesmo que por alguns anos de ilusão. Mas estou disposta a recuperar o tempo perdido. Amanhã terei extirpado de mim, definitivamente, a minha masculinidade. Quero ser uma mulher total. Então vou poder conquistar o coração do meu amado. Beijos, Adenaíra."
As pernas da sofrida mulher não conseguiram sustentar o peso do corpo. Sentada no sofá, amassando a pequena nota entre os dedos, Marilena pensava em como sua vida havia se transformado em questão de dias.
- Meu Deus! O que poderia ser pior? - perguntava-se, em voz alta.
Neste momento um homem sujo e deformado, metido em roupas fétidas, mancando e babando, abre abruptamente a porta.
- Querida, cheguei!
Ambrósio está de volta!

Como diz o ditado: "Não importa o quanto as coisas estejam ruins, elas sempre podem piorar."

sexta-feira, 27 de março de 2009

Capítulo XX - Novas Descobertas


A casa de Jeitosinha era um cenário de tempos estranhos. O desaparecimento do pai parecia preocupar sua mãe e irmãos, mas a loira quase perfeita tinha outras atribulações. Quem havia escondido o corpo de Ambrósio e apagado as pistas do assassinato? Quem havia telefonado a Marilena fazendo-se passar pelo morto? Jeitosinha não havia se esquecido de sua vingança. Aliás, também incluíra Arlindo na lista de desafetos. Mas o desfecho insólito de seu primeiro crime causava-lhe certa inibição. Era preciso esperar o momento certo. A prioridade era entender tudo aquilo. E, como se não bastassem tantas reviravoltas do destino, havia a decepção com Bruno, a descoberta da própria sexualidade e os encantos misteriosos da casa de Madame Mary.
Enquanto Adenair procurava, no maior hospital público da cidade, o médico indicado por dona Nair, Jeitosinha voltava ao bordel para uma reunião com a nova patroa. Madame Mary fez uma longa explanação sobre a arte do prazer, uma espécie de preparação teórica para o que viria depois. A expectativa de colocar em prática aquela técnica apurada excitava Jeitosinha. Ao término do encontro, encaminhava-se para a porta de saída quando sentiu dedos suaves tocando seu ombro.
- Oi. Você é nova por aqui? - perguntou uma linda ruiva de sorriso sedutor.
- Sim. - respondeu timidamente. - Mas ainda não estou trabalhando.
- Ah! É a nova pupila de Madame Mary. Está gostando da preparação?
- Bem, - disse Jeitosinha - é tudo muito excitante, mas não vejo a hora de entrar em ação.
A ruiva apertou suavemente a cintura da loira e, olhando no fundo dos olhos de Jeitosinha, propôs:
- Talvez possamos começar agora...
A resposta teve uma ponta de ironia:
- Cuidado, querida. Você pode se surpreender com o que vai encontrar.
- Adoro surpresas! - emendou a ruiva, já puxando Jeitosinha pela mão até um quarto próximo.

A poucos quilômetros dali, um médico de barba por fazer e jaleco puído conversava com Adenair.
- Bom, você sabe que tem uma fila e o que o SUS nos paga para este tipo de operação... fica difícil... o que a gente pode fazer é inventar uns códigos, mandar umas cobranças a mais...
- Eu nem sei como lhe agradecer...
- Tudo bem... Dona Nair me ensinou tudo o que sei de Obstetrícia. Sou muito grato à ela. Ah, ia me esquecendo... o anestesista tem que pagar à parte. - disse o doutor para a bichinha plena de felicidade.
A operação de mudança de sexo foi marcada para o dia seguinte e Adenair saiu em passos lépidos e faceiros.

No bordel, Jeitosinha vivia mais uma forte emoção: sua primeira vez com uma mulher. E deliciava-se com a descoberta das inúmeras possibilidades de interação entre o côncavo e o convexo...

Quantas novidades ainda virão à tona?

the brazilian way of life

É um e-mail do Jabor sobre nós e o nosso modo de encarar as coisas.


Brasileiro é um povo solidário!
Mentira. Brasileiro é otário.


Eleger para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida;
Pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua ao invés de cobrar do governo uma solução para a pobreza;
Aceitar que ONG's de direitos humanos fiquem dando pitaco na forma como tratamos nossa criminalidade;
Não protestar cada vez que o governo compra colchões para presidiários que queimaram os deles de propósito, não é coisa de gente solidária.
É coisa de gente otária.


Brasileiro é um povo alegre.
Mentira. Brasileiro é idiota.

Fazer piadinha com as imundices que acompanhamos todo dia é o mesmo que tomar bofetada na cara e dar risada.
Depois de um massacre que durou quatro dias em São Paulo, ouvir o José Simão fazer piadinha a respeito e achar graça, é o mesmo que contar piada no enterro do pai.
Quando surge um escândalo, ao invés de protestar e tomar providências como cidadão, ri como idiota.


Brasileiro é um povo trabalhador.
Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência.

O brasileiro tenta se enganar, fingindo que os políticos que ocupam cargos públicos no país surgiram de Marte e pousaram em seus cargos, quando na verdade, são oriundos do povo.
O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado ao ver um deputado receber R$20 mil por mês para trabalhar 3 dias e coçar o saco o resto da semana, também sente inveja e sabe, lá no fundo, que se estivesse no lugar dele faria o mesmo.
Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$90 mensais para não fazer nada e não aproveita isso para alavancar sua vida - realidade da brutal maioria dos beneficiários do bolsa-família - não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo.


Brasileiro é um povo honesto.
Mentira. Já foi.

Se você oferecer €50 a um policial europeu para ele não te autuar, provavelmente irá preso. Não por medo de ser pego, mas porque ele sabe que é errado aceitar propinas.
O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado com o mensalão, pensa intimamente o que faria se arrumasse uma boquinha dessas, quando na realidade isso sequer deveria passar por sua cabeça.


Quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora.
Mentira. Já foi.

Historicamente, as favelas se iniciaram nos morros cariocas quando os negros e mulatos, retornando da Guerra do Paraguai, ali se instalaram. Naquela época quem morava lá era gente honesta, que não tinha outra alternativa e não concordava com o crime. Hoje a realidade é diferente. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como "aviãozinho" do tráfico para ganhar uma grana legal.
Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora, porque podem matar 2 ou 3 mas não milhares de pessoas.
Além disso, cooperariam com a polícia na identificação de criminosos, inibindo-os de lá montar suas bases de operação.


O Brasil é um pais democrático.
Mentira. Nunca foi.

A maioria do povo acha que bandido bom é bandido morto, mas sucumbe a uma minoria barulhenta que se apressa em dizer que um bandido que foi morto numa troca de tiros, foi executado friamente. Num país onde todos têm direitos mas ninguém tem obrigações, não existe democracia e sim, anarquia. Num país em que a maioria sucumbe bovinamente ante uma minoria barulhenta, não existe democracia, mas um simulacro hipócrita.
Se tirarmos o pano do politicamente correto, veremos que vivemos numa sociedade feudal: um rei que detém o poder central (presidente e suas MPs), seguido de duques, condes, arquiduques e senhores feudais (ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores), todos sustentados pelo povo que paga tributos que têm como único fim a manutenção dos privilégios do poder. E ainda somos obrigados a votar.
Democracia é isso? Pense!


Brasileiro é esperto.
O famoso jeitinho brasileiro.

Na minha opinião, um dos maiores responsáveis pelo caos que se tornou a política brasileira. Brasileiro se acha malandro, muito esperto. Faz um "gato" puxando a TV a cabo do vizinho e acha que está botando pra quebrar. No outro dia o caixa da padaria erra no troco e devolve 6 reais a mais! Caramba! Silenciosamente, ele sai de lá com a felicidade de ter ganhado na loto. Malandrões, esquecem que pagam a maior taxa de juros do planeta e o retorno é zero. Zero saúde, zero emprego, zero educação, mas e daí?
Afinal somos penta campeões do mundo, né???


O Brasil é o país do futuro.

Meu avô dizia isso em 1950. Muitas vezes cheguei a imaginar em como seria a indignação e revolta dos meus avós se ainda estivessem vivos. Dessa vergonha eles se safaram.
Brasil, o país do futuro!? Hoje o futuro chegou e tivemos uma das piores taxas de crescimento do mundo.


Deus é brasileiro.

Puxa, essa eu não vou nem comentar...


O que me deixa mais inconformado é ver todos os dias nos jornais a manchete da vitória do governo mais sujo já visto em toda a história brasileira.
Para finalizar tiro minha conclusão: o brasileiro merece!
Como diz o ditado popular, é igual mulher de malandro, gosta de apanhar.
Se você não é como o exemplo de brasileiro aqui citado, meus sentimentos, amigo. Continue fazendo sua parte, e que um dia pessoas de bem assumam o controle do país novamente.
Aí sim, teremos todas as chances de ser a maior potência do planeta.
Afinal, aqui não tem terremoto, tsunami nem furacão. Temos petróleo, álcool, bio-diesel, e sem dúvida o mais importante: água doce!

Só falta boa vontade.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Capítulo XIX - O Amor Platônico


- Bruno, eu sempre te amei!
A declaração de Adenair, um desabafo cuspido pelo seu coração angustiado, deixou o sofrido namorado de Jeitosinha perplexo.
- Não, Adenair! Não é possível! Você é...
Como completar a frase? O que era Adenair? O que era Jeitosinha? O que era ele? Quantas certezas jogadas fora! Quanta boiolice repentina, transformando sua vida num filme de Almodóvar!
- Durante muito tempo sofri em silêncio. Achei que nunca teria coragem de me expor. Mas desde que soube da condição de Jeitosinha, e percebendo que você ainda gosta dela, vi que por mais difícil que seja meu sonho não é impossível. Me dê uma chance! Você vai me amar também!
- Você não entende, Adenair. Jeitosinha é diferente! É uma mulher quase completa!
- Não tente se enganar, Bruno.- respondeu. - Será que no fundo do seu coração você não tinha a percepção de quem ela realmente era? Você pode afirmar, com certeza, que é heterossexual?
Ainda traumatizado pela experiência recente, Bruno percebeu que talvez Adenair tivesse razão. Mas ele não se sentia apto a penetrar o lodo de suas emoções. Reagiu, convicto, rejeitando a hipótese de que fosse gay.
- Sim, Adenair. Eu sou heterossexual. Aliás, estou farto de tanta farsa e dissimulação. Quero encontrar uma mulher de verdade, que não me surpreenda com nenhuma protuberância anti-natural! - disse, afastando-se a passos rápidos.
Um Adenair magoado e arrependido ficou para trás. Sabia que desejava muito aquele homem. Sentia-se mal pelas palavras que disse e estava disposto a qualquer sacrifício para tê-lo ao seu lado.
- Você quer uma mulher de verdade, Bruno? - murmurou para si mesmo. - Pois eu serei uma! A mais bela, completa e exuberante que você já viu!
Adenair dormiu pouco aquela noite. Na manhã seguinte, procurou a velha dona Nair, parteira e amiga da família. Sem constrangimento, o rapaz contou à mulher o seu drama e lhe fez um pedido inusitado:
- Preciso mudar de sexo! Preciso me tornar uma mulher! Mas não tenho dinheiro, dona Nair! Por favor, me ajude!
A velha coçou sua cabeça grisalha.
- Sei lá, fio... Não sei como posso ajudar.
Adenair cobriu o rosto e chorou copiosamente.
- Porque não tenta pelo SUS? Eu conheço um médico.
Os olhos do rapaz subitamente brilharam de esperança:
- Me leve até ele! Me leve até ele!

Terá Jeitosinha uma irmã de verdade?

terça-feira, 24 de março de 2009

Capítulo XVIII - O Retorno de Ambrósio


Ambrósio não conseguia se lembrar exatamente de quem era. Imagens confusas de um travesti loiro com uma moto-serra lhe vinham à mente, enquanto ele reconhecia alguns trechos do caminho. Acabou chegando até à porta de sua casa, mas não teve coragem de entrar, especialmente porque não tinha a menor idéia de que lugar era aquele de fato. Viu que dois homens jovens conversavam sentados num banco da varanda.
O dia estava quase nascendo. Do outro lado da rua, Ambrósio reconheceu algo de familiar naqueles rostos. Mas quem seriam? Aliás, quem seria ele mesmo? O homem subitamente percebeu que sequer podia se lembrar de suas próprias feições. Procurou algum vidro ou espelho onde pudesse se ver refletido. Numa grande e quieta poça d'água, viu seu rosto monstruoso. Com um grito aterrador correu rumo a um matagal próximo. Estava confuso e com medo.
Bruno e Adenair ouviram o grito, mas não deram muita importância.
- Você pode se abrir comigo, Bruno. Sei tudo a respeito de Jeitosinha.
- Tudo? - surpreendeu-se.
- Sim. Ela é uma vítima, tanto quanto você.
Pelo comentário, Bruno percebeu que talvez Adenair não soubesse que a irmã era uma prostituta. "Se ela conseguiu me enganar, porque não enganaria o irmão?" - perguntou-se.
Tombando diante da pressão, Bruno chorou convulsivamente. Adenair puxou-o em direção ao peito, abraçando-o e acariciando seus cabelos. Bruno pôde perceber que o toque e o suave perfume do rapaz lembravam muito os de sua irmã. Sentiu-se confortável por alguns minutos.
Enxugando as lágrimas, Bruno viu bem de perto os olhos de Adenair, tão parecidos com os de Jeitosinha. Só então deu-se conta de que algo estranho acontecia ali. O apoio que estava recebendo, físico e mudo, não é comum entre dois homens.
- Adenair, porque você me abraçou deste jeito? - perguntou, temendo a resposta.
Em um matagal a poucos metros, Ambrósio começava a se dar conta de quem era. Talvez por um bloqueio, causado pela morte violenta ou pelo processo utilizado para trazê-lo de volta à vida, não associava o travesti loiro à sua amada Jeitosinha.
Mas já sabia que ele era o chefe daquela casa que reconhecera e que estava deformado por alguma terrível razão, a mesma pela qual sentia-se impelido a manter-se escondido.
Na varanda da casa, Adenair começava sua revelação. Cada palavra que pronunciava causava-lhe dor.
- Bem, Bruno, também tenho um segredo.

Que segredo revelará Adenair a Bruno?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Capítulo XVII - A Despedida Anunciada


Condenados a sair da história pelas mesmas razões estapafúrdias que entraram, os alienígenas finalmente se preparam para voltar ao seu planeta ameaçado.
- O que você andou fazendo a tarde inteira? - perguntou um dos membros da equipe ao chefe da expedição, um cientista brilhante em seu mundo.
- Nada demais. Encontrei os restos de um humano esquartejado e, só para me distrair, o trouxe de volta à vida. - disse, apontando uma figura no canto do laboratório. Toda a tecnologia dos homenzinhos verdes não foi suficiente para impedir que, visualmente, o resultado ficasse sofrível. Mas era possível reconhecer, naquele homem deformado repleto de cicatrizes, as feições de Ambrósio.
- Ele recuperou a memória e a razão?
- Está um pouco confuso ainda. - disse o cientista. - Talvez nunca volte a ser o que era antes, mas foi divertido brincar de Deus e inverter a ordem natural das coisas, antes de deixar definitivamente este mundinho atrasado. Sabe-se lá o que este monstro fará na sua volta à vida.
A nave deixa o homem à beira da estrada deserta e levanta voo rumo ao infinito.

Não muito longe dali um cabisbaixo Bruno faz seu caminho de volta para casa, ainda entorpecido pela descoberta de que sua doce Jeitosinha era uma garota de programa.
Como se não bastasse, sentia a confusão mental causada pela percepção de que sua experiência com o travesti no bordel fora totalmente inconclusiva. Até o momento em que Jeitosinha interrompeu o ato sexual, ainda não havia encontrado o prazer. Mas era difícil saber como a coisa iria terminar.
Bruno não tinha pressa para chegar a lugar algum. Precisava pensar e, talvez involuntariamente, acabou passando em frente à casa de Jeitosinha. Sentiu um nó no coração ao ver a janela do quarto da moça. Saudades de um passado perfeito e uma profunda revolta por sentir que um futuro feliz havia sido abortado.
- Bruno?
Por um momento pensou ser Jeitosinha, mas a voz que vinha da varanda escura da casa era mais grave.
- Adenair?
- Sim. - disse o suave irmão da loira, aproximando-se. - Você não parece bem. Quer conversar?
Bruno encarou Adenair. Ele nunca havia percebido o quanto o rapaz se parecia com Jeitosinha!
- Não creio que você possa me ajudar.
- Talvez eu possa. - respondeu o moço, com a voz trêmula de emoção e desejo.

Conseguirá Adenair consolar o pobre Bruno?

domingo, 22 de março de 2009

Capítulo XVI - A Surpresa


Na chegada ao bordel, uma mansão estilo
art nouveau finamente decorada com móveis e objetos da Belle Époque, Jeitosinha foi conduzida à presença de Madame Mary, a cafetina, uma mulher envolta em mistério, que nunca mostrara o rosto, sempre coberto por uma máscara de renda de seda. Caminhando lentamente pelo longo corredor de paredes revestidas em veludo vermelho, Jeitosinha podia ouvir ruídos de prazer que emanavam dos quartos. Algumas portas entreabertas, talvez propositadamente por capricho exibicionista de algum cliente, tornavam aquela atmosfera excitante.
Bruno havia bebido a tarde inteira, buscando no álcool a coragem necessária para por à prova sua masculinidade. Por esta razão, a imagem de Jeitosinha à porta do quarto, observando-o em pleno ato de amor com um travesti, pareceu-lhe uma alucinação.
- Amor... Não é nada disso que você está pensando! - disse o rapaz, sem muita inspiração.
Recuperando a sobriedade, foi tomado por um tipo diferente de perplexidade.
- Mas... espera aí... o que você está fazendo aqui? - perguntou Bruno à sua amada, enquanto a prostituta, prevendo o quiproquó, saia de fininho.
Cheia de revolta, Jeitosinha disse a primeira coisa que lhe ocorreu para ferir Bruno:
- O que lhe parece? Pelo visto você prefere as morenas! Mas nós, loiras, somos muito melhores na arte de enlouquecer os homens.
- Não! Não pode ser, meu amor! Diga que é um sonho! Me belisca para eu sentir dor e acordar!
- Depois do que eu vi pela fresta da porta, tem certeza de que não tem nada doendo aí? - alfinetou jeitosinha, cheia de ironia.
- Não! Você não! Não pode ser! Não pode ser! - Bruno puxava os próprios cabelos com violência e rolava pelo chão num desespero patético.
Jeitosinha apenas jogou os cabelos longos para o lado, naquele gesto superior com que as loiras costumam descartar os simples mortais e retirou-se do ambiente.
Seu coração por dentro estava em frangalhos, mas o que Bruno viu foi a imagem de uma mulher fria.
Com passos precisos e a elegância de uma modelo, Jeitosinha atravessou o corredor em direção ao gabinete de Madame Mary. Lá dentro, tombou de joelhos e começou a chorar.
- O que é isso minha querida? - disse a cafetina com ar protetor.
- Não pode ser, Madame! Meu amado Bruno! Um homem tão puro e íntegro! Aqui! Com aquela... aquela...
A certeza de que não era tão diferente da exótica morena impedia Jeitosinha de achar a palavra certa.
- Os homens são todos iguais, minha criança - disse Mary, acariciando a loira. - São animais capazes de qualquer coisa por um momento de luxúria. Eles nunca saberão o que é o amor verdadeiro. É justamente isso que torna tão fascinante a nossa arte da sedução.
Jeitosinha levantou os olhos e, agarrando-se às pernas da misteriosa mulher, implorou:
- Ajude-me, Madame! Ajude-me a ser como você!
- Claro, querida. Claro.
Madame Mary sabia que tinha nas mãos um diamante em estado bruto, pronto para ser lapidado na dor de um coração partido.

Será o começo de uma nova vida para Jeitosinha?

sábado, 21 de março de 2009

Capítulo XV - A Angústia de Bruno


O júbilo de Jeitosinha durou pouco. Se num primeiro momento a idéia de ter salvo a humanidade era alentadora, horas depois o que a fantástica experiência lhe causara era revolta e dor. De que adiantava ter salvo o mundo, se não obteria pelo seu ato qualquer tipo de reconhecimento? Para o restante da humanidade, ela continuava sendo aquele ser anacrônico e discriminado por fugir dos padrões estabelecidos. Só uma pessoa na cidade estava se sentindo mais angustiado: Bruno.
Num bairro distante, trancado em seu apartamento, o pobre rapaz refletia sobre a grande - e como era grande! - emoção que sentiu na sua primeira noite de amor com Jeitosinha.
"Será que eu gostei porque era a minha amada?" - perguntava-se. "Ou será que tamanho prazer adveio do fato de que se tratava de um homem? Serei gay? Serei hétero?".
- QUEM É VOCÊ? - gritou Bruno, angustiado, olhando sua imagem no espelho.
Sentia-se sujo. Seus desejos o incomodavam, como se tivesse experimentado a fruta do pecado. Mas sabia que Jeitosinha era uma vítima, como ele. Entendia que a namorada era um modelo de virtude e pureza e que seu gesto, ao seduzi-lo, era apenas uma grande demonstração de amor. Por um momento, olhou para o problema sob outra perspectiva muito menos dramática.
"Sim, Jeitosinha é pura. É a minha Jeitosinha. E em nome desta pureza vale a pena continuar com ela!" - concluiu. "Se ela fosse um travesti vulgar... mas não! Ela foi criada como uma moça de família, sob rígidos padrões morais! Quem sabe ainda podemos ter uma vida juntos, mantendo sua condição em segredo?" - pensava.
Num fragmento de sonho, Bruno viu-se casado com ela, vivendo grandes noites de amor e criando crianças adotadas como se fossem seus filhos biológicos, os sonhados Cléverson e Suélen. Pensou em procurar a sua doce amada naquele mesmo momento e propor a realização do casamento, outrora tão desejado em tempos menos complicados.
Antes, porém, precisava enfrentar seu próprio demônio interior. Precisava saber o que sentiu naquela noite mágica: Amor? Volúpia? Precisava, enfim, fazer amor com outro travesti e colocar-se à prova.
Bruno resolveu que iria a um bordel atrás de respostas. Iria buscar reviver, com uma vulgar criatura da noite, emoções tão, digamos, grandes quanto as que viveu com sua inocente Jeitosinha.
Mal poderia imaginar a grande surpresa que o esperava.

Conseguirá Bruno sanar sua grande dúvida?

sexta-feira, 20 de março de 2009

Capítulo XIV - A Experiência


Lentamente Jeitosinha foi recuperando a consciência. Nos primeiros minutos, aquele cenário de ficção científica parecia apenas um sonho estranho. Mas à medida que as imagens ganhavam formas e cores, e que aflorou em sua mente a lembrança dos últimos momentos no carro, um pânico indescritível tomou conta da nossa heroína. Seu grito agudo acordou Arlindo que, como ela, encontrava-se atado a uma chapa metálica, quase verticalmente.
A sala estava deserta mas, minutos depois, duas criaturas entraram no ambiente. Mesmo sendo de uma espécie muito diferente, Jeitosinha sentiu que aqueles seres estavam muito tristes. Seus enormes olhos revelavam esta condição. Usando um estranho aparelho, que acoplado à sua boca funcionava como um tradutor, a criatura que parecia liderar as demais dirigiu-se ao casal:
- Creio que lhes devemos explicações.
Jeitosinha e Arlindo estavam paralisados pelo medo. O ser continuou:
- Meu planeta está passando por uma crise terrível. Construímos uma civilização poderosa e avançadíssima. Controlamos toda a nossa galáxia, mas estamos condenados à extinção.
Os rostos curiosos dos irmãos não moviam um só músculo, enquanto o alienígena narrava sua história.
Ele explicou que, por um capricho da biologia que a ciência não conseguiu contornar, estava nascendo em seu planeta um número infinitamente inferior de mulheres em comparação com o número de homens. Pelos cálculos dos cientistas, em não mais que quinhentos anos seu povo terá desaparecido, a não ser que se encontre uma alternativa para reverter o quadro.
- Numa análise superficial - continuou a criatura - percebemos que talvez fosse possível utilizar as terráqueas para gerar nossos filhos. Se a idéia se confirmasse, nossa intenção era a de exterminar todos os homens e levar conosco as mulheres. Minha missão veio à Terra com o propósito específico de analisar a anatomia feminina e autorizar a operação.
O homem verde deixou-se desabar numa cadeira, vencido pelo desânimo.
- Mantivemos você sedada por seis horas - disse, dirigindo-se a Jeitosinha. - E descobrimos, depois de estudá-la, que a máquina humana é muito mais complexa do que esperávamos. Vocês, mulheres terráqueas, são bastante parecidas com os homens.
Jeitosinha esforçou-se para não demonstrar sua enorme alegria ao ser confundida com uma mulher. Sem querer ela havia salvo a raça humana da destruição total.
- Vamos libertá-los e partir atrás de outros mundos. - concluiu.
Já de volta ao carro, ainda atônita por aquele turbilhão de emoções, Jeitosinha abraçou seu irmão e inimigo:
- Você entende, Arlindo? Minha vida tem um sentido! O que são nossas rusgas do dia-a-dia diante desta experiência tão avassaladora?
Arlindo afastou Jeitosinha e esboçou um sorriso pálido.
- É, irmã. Foi interessante. O dia está nascendo e devemos voltar para casa. Mas, como a vida continua, amanhã você estréia no bordel.

N.A.: Eu sei que foi bem estúpido incluir ET's nessa trama, mas eles tiveram (e terão) um propósito fundamental no desenrolar da história. Logo logo eles se vão, não antes de terminar aquilo que começaram.


Como será a estréia de Jeitosinha?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Capítulo XIII - A Reviravolta


A família finalmente percebeu que Ambrósio estava desaparecido. Ele não havia voltado da pescaria nem dado sinal de vida. Marilena chamou a Polícia, que pareceu não dar muita importância à ocorrência. Os dois policiais fizeram poucas perguntas, anotaram um boletim de ocorrência de forma burocrática e se foram em poucos minutos, levando uma foto do homem.
Jeitosinha chegou em casa quase na hora do almoço. Os irmãos não perceberam que ela passara a noite fora, mas sua mãe sim.
- Onde você estava? - perguntou Marilena. Jeitosinha ignorou a abordagem.
- Sorte sua seu pai não estar por aqui. Ele não ia gostar disso. - insistiu Marilena, com um tom seco de reprovação na voz.
A resposta da filha foi carregada de ironia:
- O que poderia preocupá-lo, mamãe? O risco de que eu perca a virgindade ou volte grávida para casa?
Marilena tentou acariciar o cabelo da filha, que afastou sua mão com um gesto brusco.
- Não me encoste! Eu odeio você! - um fio de lágrima escorreu pela face esquerda da sofrida mãe.
- Querida, você é tão jovem, tem uma vida pela frente! Ainda há tempo de encontrar a felicidade.
- Como eu poderia ser feliz? Eu sou uma mulher aprisionada no corpo de um homem!
- Veja o lado positivo.- tentou consertar Marilena. - Você não tem tensão pré-menstrual, não precisa sentar-se em privadas sujas de boate.
"Mantenha a calma e a resignação. Você ainda encontrará um homem que a aceite como você é!" - conjecturou Jeitosinha. "Este homem talvez seja Bruno. Mas como ele estará se sentindo depois da nossa estranha noite de amor?"
Ela pensou durante todo o dia no seu amado, reunindo forças para enfrentar sua primeira noite no bordel. Curiosamente, a expectativa de entregar-se a estranhos não a incomodava.
Desde a revelação de sua condição, ela não se reconhecia naquele corpo. Não sentia que tivesse que zelar dele.
Era nove da noite quando Jeitosinha entrou no carro de Arlindo, rumo à casa de encontros. O local ficava próximo, mas era preciso percorrer um pequeno trecho em uma estrada pouco movimentada. Justamente quando passavam pela parte mais escura e deserta do percurso, uma luz surgida do nada cegou momentaneamente Arlindo, impedindo-o de dirigir. O rapaz pisou no freio abruptamente. Antes que pudessem esboçar qualquer reação, as duas portas do carro foram abertas, e o casal foi retirado de dentro do veículo por mãos poderosas.
Pouco antes de tomar uma descarga elétrica que a faria perder os sentidos, Jeitosinha pôde ver a silhueta de seus raptores: eram homens de baixa estatura, vestindo estranhos macacões prateados.

Tornar-se-á nossa história um seriado de ficção científica?

about the author

Muitos têm me perguntado se sou eu o autor dessa trama trash. Devo dizer que não. Apesar de ter feito alguns ajustes, principalmente de ortografia e gramática, e incluído alguns pequenos textos na narrativa, darei crédito a quem de fato idealizou Jeitosinha:
Maurício Ricardo é cartunista, músico, escritor, roteirista e criador de um dos sites mais populares do país, o www.charges.com.br .

quarta-feira, 18 de março de 2009

Capítulo XII - As Pretensões de Arlindo


Jeitosinha não acreditava no que acabara de ouvir. Desde a revelação do seu trágico segredo, sentia-se num pesadelo sem fim. Não bastasse todo o ódio em seu coração, o estranho desfecho da morte do pai e a perda de Bruno, seu amado, agora nossa heroína era chantageada pelo irmão cruel.
- Você quer que eu me prostitua?
- Sim. - concordou o irmão, secamente, com a voz desprovida de emoção. - Existe um bordel de luxo aqui perto. Pessoas exóticas como você podem ter um bom valor no mercado.
- M-mas... eu sou virgem! Sou inocente! - retrucou Jeitosinha, aos prantos.
- Então você tem até amanhã para aprender o que precisa.
Arlindo deixou o quarto da loira batendo a porta. Adenair entrou em seguida, curioso para saber o que acontecera. Jeitosinha contou resumidamente a história.
- Não pode ser! Você precisa matá-lo também! - reagiu o enrustido, batendo o pezinho nervosamente.
- Sim, mas não poderei fazê-lo agora. Não com o estranho desaparecimento do corpo de papai. Precisamos desvendar primeiro este mistério. - disse Jeitosinha, recompondo-se.
- Então você...
- Não resta outra alternativa, Adenair. Terei que me submeter aos caprichos de Arlindo. E, pode ter certeza, amanhã estarei mais pronta do que ele pensa!
Naquela noite, pela primeira vez desde o rompimento, Jeitosinha voltou ao apartamento de Bruno. Encontrou-o em estado de total desespero, ébrio, sorvendo doses e mais doses de uísque barato.
- Você destruiu a minha vida! - lamentou o jovem.
A loira, usando um vestidinho curto, sentou-se no seu colo. Numa explosão de luxúria, enfiou a língua na boca de Bruno antes que ele pudesse esboçar qualquer reação. Num primeiro momento, ele retribuiu ao carinho, mas logo lembrou-se de que estava beijando um homem. Rejeição e desejo se sucediam em ondas na mente do rapaz. Mas ele havia bebido bastante e amava Jeitosinha.
No dia seguinte, consumada uma louca e apaixonada noite de amor, a loira acordou e viu Bruno, em pé, contemplando-a . Ela abriu um sorriso, mas não foi retribuída.
- Você é tão bonita... - murmurou o rapaz, em um semblante que sugeria lamento, mais do que elogio.
- O que você achou da nossa noite, meu amor?
- Eu... eu estou confuso... foi tudo muito diferente... me vi fazendo coisas que nunca imaginei ser capaz de fazer.
- Calma amor... - respondeu docemente Jeitosinha. - Sente-se aqui ao meu lado. Vamos conversar melhor sobre isso.
- Bem, - respondeu Bruno, com um sorriso sem graça - podemos até conversar. Mas sentar eu não consigo.

Jeitosinha e Bruno irão se reconciliar?

terça-feira, 17 de março de 2009

Capítulo XI - A Revolta de Arlindo


- Você nunca me enganou, Jeitosinha... - a voz de Arlindo destilava revolta e ódio.
- Vou contar seu segredo ao papai assim que ele voltar da pescaria! Aliás, vou contar ao mundo!
- Contar ao papai? - espantou-se a moça. "Então Arlindo não sabe que papai está morto! Não foi ele quem escondeu o corpo!" - pensou.
Jeitosinha estava tão fragilizada que acabou assumindo sua bizarra condição ao irmão.
- Sim, Arlindo. Sou uma mulher aprisionada no corpo de um homem. Mas sou a maior vítima desta situação. Eu lhe imploro: não revele o meu segredo!
- Não adianta, Jeitosinha. - retrucou o magoado Arlindo - Toda a minha vida brinquei com cavalinhos feitos de palitos de fósforo fincados em batatas, enquanto a princesa tinha os mais caros brinquedos. Toda a minha vida dormi espremido em um beliche, com os pés de Amarildo tocando as minhas narinas, enquanto você tinha o seu quarto e finos lençóis de seda...
Arlindo agarrou Jeitosinha pelos braços e fitou o fundo de seus olhos.
- Mas o que eu nunca vou perdoar mesmo foi aquela surra que levei quando descobri a verdade sobre você. - Arlindo tremia de rancor.
- Mas nem eu mesma sabia! - tentou defender-se Jeitosinha.
- Chega! Chega de suas mentiras!
Arlindo virou-se em direção à porta. A irmã, desesperada, lançou-se ao chão e abraçou seus pés.
- Não, Arlindo! Por favor! Eu faço qualquer coisa!
- Qualquer coisa? - o tom do rapaz agora era mais suave. - Comece mostrando-se para mim. Quero vê-la nua!
Relutante, Jeitosinha livrou-se de suas roupas e revelou seu corpo perfeito de mulher. Bem, quase perfeito.
- Não é justo. - balbuciou Arlindo, apontando o apêndice que fazia de Jeitosinha um quadro surrealista. - Até neste quesito você ganha de mim!
- Por favor, não seja rude comigo...
- O quê? - espantou-se o moço. - Você imaginou que quero tocá-la? É ruim, heim?
- Mas... o que você quer então? - perguntou a moça, voltando a se vestir.
- Você vai me render dinheiro, irmãzinha. Muito dinheiro!

Qual será a pretensão de Arlindo?

segunda-feira, 16 de março de 2009

Capítulo X - O Início do Mistério


Naquela manhã de segunda-feira, a mãe e os sete irmãos sentaram-se juntos para o café da manhã, na longa mesa da copa. Era, tradicionalmente, o momento em que a família colocava seus assuntos em dia. Mas um silêncio incômodo pairava no ar.
Jeitosinha sondou cada rosto, buscando algum sinal que indicasse quem escondeu o corpo de Ambrósio. É claro que o pai não retornara da pescaria na noite anterior. Mas porque ninguém parecia se importar com o fato?
Disfarçando o nervosismo, a moça arriscou perguntar à mãe:
- O papai não voltaria ontem?
- Sim, querida. - respondeu Marilena - Mas ele ligou dizendo que uma ponte caiu e que eles estão isolados na vila onde foram pescar.
- Era a voz dele, mamãe? Tem certeza?
- Que pergunta! Claro, minha filha! A ligação estava ruim, mal escutei o que ele dizia. Mas quem mais poderia ser?
Arlindo, o ciumento irmão mais velho, esboçou um sorriso enigmático, que Jeitosinha rapidamente captou como um indício de culpa. "Sim! Arlindo! Só pode ser ele!" - pensou.
"Arlindo sempre desconfiou de que havia algo de errado comigo. Ele nunca perdoou papai pelo carinho que me dedicava. Ele sabe, por alguma razão, que fui eu quem matei papai e apagou as evidências como parte de um plano de vingança! Mas porque esconder o corpo, ao invés de simplesmente me entregar à Polícia?" - as perguntas atormentavam a mente limitada da nossa loira heroína.
Ela voltou para o quarto, cobriu o rosto com o travesseiro e começou a chorar baixinho. No princípio, chorava por medo. Pela confusão que tomara conta de sua vida. Mas logo sua dor se transfigurou e Jeitosinha passou a verter seu pranto por saudades de Bruno. Lembrava-se das mãos do amado percorrendo seu corpo. Sentiu um calafrio e uma onda de excitação só de imaginar o toque suave de seus dedos.
Neste momento, abruptamente, Arlindo abre a porta. Jeitosinha ainda tem tempo de disfarçar as lágrimas. Mas não a ereção.
- Ahá! Eu sabia! - bradou o irmão, radiante, enquanto uma descarga de adrenalina fazia desaparecer do jeans apertado da moça o volume comprometedor.

Conseguirá Jeitosinha escapar da revolta de Arlindo?

loneliness

Vamos dar uma pausa na novela porque hoje li algo que achei muito apropriado.
Sempre quando via alguém sozinho, num bar ou restaurante, ficava imaginando o quão desagradável e constrangedor devia ser para essa pessoa estar ali, num lugar onde vamos para encontrar amigos, dar risadas, conversar, enfim, nos divertir. "Deve ser alguém anti-social. Solidão é chato." - pensava. Pois bem:

"Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo. - isto é carência.
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar. - isto é saudade.
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos. - isto é equilíbrio.
Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida - isto é um princípio da natureza.
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado. - isto é circunstância.
Solidão é muito mais que isto.
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos, em vão, pela nossa alma."

É do meu tocaio, aquele tal Buarque de Hollanda.

domingo, 15 de março de 2009

Capítulo IX - A Grande Surpresa


Passava da meia-noite quando Jeitosinha voltou para casa. Seu álibi foi perfeito: passou as últimas horas estudando Geografia com uma amiga, como costumava fazer.
Estava impressionada com a própria frieza. Conseguiu concentrar-se nos livros e conversar amenidades como se nada tivesse acontecido. Mas ainda sentia nas mãos o tremor da serra elétrica. Os gritos de Ambrósio continuavam a ecoar em seus ouvidos. Eram sensações surpreendentemente prazerosas.
Arrependimento, de fato, só o de ter perdido o capítulo da novela. "Mamãe eu matarei na hora do Jornal Nacional" - jurou a si mesma.
As luzes da sala estavam acesas. Viu pela janela os vultos de seus familiares. Entrou pela porta principal, preparando-se para fingir dor e desespero ao se deparar com os pedaços de carne, ossos e vísceras de seu pai espalhados pela sala. Qual não foi o seu espanto ao perceber que não havia na casa um só vestígio do seu crime hediondo!
Quatro de seus irmãos, inclusive Adenair, estavam assistindo televisão tranquilamente. Sua mãe já havia se recolhido ao quarto.
- Onde está papai? - perguntou.
- Foi pescar. - respondeu Amarildo, o segundo filho de Ambrósio e Marilena.
- Pescar?
- Sim, deixou um bilhete com mamãe, dizendo que resolveu na última hora e que só volta amanhã à noite.
As belas pernas de Jeitosinha estremeceram e ela sentiu uma estranha vertigem. Realmente seu pai era dado a estes rompantes e o sumiço não chegava a espantar ninguém em sua casa. ''Será que tudo não passou de uma alucinação?'' - questionou-se.
Mas não. Observando o revestimento plástico do sofá onde o crime havia acontecido, percebeu o cheiro de detergente e marcas de pano, que sugeriam uma limpeza recente.
Jeitosinha puxou seu cúmplice, Adenair, até o quarto.
- O que está acontecendo?
- Eu é que te pergunto! - retrucou o irmão. - Você não ia matar papai?
- Matei! Eu matei! Alguém escondeu os restos, limpou a sala e ainda deixou um falso bilhete para mamãe!
Adenair deu um gritinho ansioso e histérico. Jeitosinha esbofeteou-lhe a face e disse, resoluta:
- Calma! Você já esperou mais de 20 anos. Não acho que seja a melhor hora pra soltar a franga.

Qual estranho mistério esconde-se na casa de Jeitosinha?

sábado, 14 de março de 2009

Capítulo VIII - A Sangue Frio


Adenair era estagiário na Secretaria do Meio Ambiente e conseguiu, sem chamar a atenção, retirar uma moto-serra do almoxarifado. Como o dia seguinte seria um domingo, ele teria tempo de limpar a ferramenta e devolvê-la ao seu local de origem antes que dessem por sua falta.
Ao cair da noite, ninguém na família poderia imaginar o drama que se desenrolaria nas próximas horas. Um por um os irmãos mais velhos foram saindo, como fazem os jovens numa noite de sábado. Adenair foi o último a deixar a casa. Controlando as emoções, despediu-se do pai sem despertar suspeitas.
Enfim, a sós, Jeitosinha e Ambrósio assistiam ao telejornal das oito. Ela usava um vestidinho curto. Balançava de maneira provocante as pernas, mostrando toda a extensão de suas coxas bem torneadas. A loira sabia que o pai moralista logo iria implicar com sua roupa.
- Precisa usar um vestido tão curto? Vá já se vestir direito! - ordenou Ambrósio, apontando para o quarto da moça.
Era o que ela esperava. Entrou no seu quarto e reapareceu poucos minutos depois, causando a última e pior visão que aquele homem rude jamais tivera. Sua filha, seu meigo tesouro, estava completamente nua, portando a serra elétrica nas mãos. Mas o maior espanto de Ambrósio foi constatar a existência de uma outra ferramenta, pendurada entre as pernas da bela loira.
- Não, não pode ser! Não pode ser! O que é isto? - balbuciou o homem, com uma expressão patética.
- Isto sou eu, papai! O monstro que você criou!
O som ensurdecedor da serra abafou os gritos desesperados do homem, que, de tão surpreso, sequer teve forças para lutar.
Minutos depois, tudo era calma e silêncio. Jeitosinha tomou um banho demorado, vestiu-se, escondeu a serra elétrica num terreno baldio próximo, seguindo o plano previamente combinado com o irmão e dirigiu-se tranquilamente à casa de uma amiga, deixando montado na sala de sua casa o cenário dantesco.
Estava encerrada a primeira etapa da sua vingança.
Ou pelo menos Jeitosinha assim imaginava...

Terá nossa jovem heroína alguma grande surpresa?