segunda-feira, 30 de março de 2009

Capítulo XXIII - A Reação de Ambrósio


Por trinta segundos que pareceram uma eternidade, Jeitosinha e Ambrósio se encararam fixamente. Ela vinha aprendendo no bordel de Madame Mary tudo sobre a arte da dissimulação. E conseguiu camuflar o medo, a surpresa e a confusão mental que lhe causava a imagem, bem ali na sua frente, do homem que assassinara.
A expressão de Ambrósio era inocente, quase infantil. O fio de baba intermitente continuava a banhar-lhe o queixo. Com sua voz pastosa, após o constrangedor silêncio, ele perguntou:
- Quem é você?
Jeitosinha suspirou aliviada. Continuava sem entender o que havia acontecido. As marcas de cortes no rosto e nos braços do pai indicavam que ela realmente o havia ferido, mas talvez não tivesse consumado o crime, pensou. Talvez tenha sofrido alguma espécie de alucinação durante o ataque com a serra-elétrica. Talvez Ambrósio tenha conseguido sair da casa, se arrastando. Mesmo assim, quem limpara o chão e os móveis?
Nada disso era tão importante quanto o fato de que seu pai, talvez pelo choque de ter sido vitimado pela própria filha, não conseguia reconhecê-la. "Deve ser algum tipo de defesa emocional." - concluiu.
Muito mais desconfortável com a situação estava Arlindo. Seu plano de explorar a irmã esvaziara-se em parte com a reação do pai ao vê-la. Se Ambrósio não reconhecia Jeitosinha, e havia perdido sua índole opressora, o que a irmã teria a temer?
De fato, a moça não tinha mais nada a perder. Depois da decepção com seu amado Bruno e todas as emoções que tomaram sua vida de assalto, o futuro se configurava diferente. Ela trocou olhares com Arlindo. Sorriu, superiora, e ele entendeu o recado. Jeitosinha estava livre de sua influência maligna mas, curiosamente, não pensava em abandonar o bordel de Madame Mary.
A misteriosa mulher - que ela mal vira e que não poderia reconhecer sob a máscara - de alguma maneira fez com que recuperasse sua auto-estima. Na casa de encontros a aceitavam como ela era. E agora havia ainda Beth Balanço, a linda ruiva que havia lhe despertado estranhas emoções. Ela vinha, aliás, fazendo um esforço sobre-humano para esquecer Bruno e tentava se apegar à emoção daquela tarde de prazer como se residisse ali a sua salvação.
Se Jeitosinha agora via o bordel como uma benção, isso não significava que ela perdoava Arlindo. Ao contrário, havia planejado para o irmão a mais terrível das vinganças.
Quanto aos pais, o próprio destino havia se encarregado da punição. Ambrósio era agora um ser desprezível, débil e deformado. E sua mãe, que presa às suas convenções sociais jamais encararia a separação, estava condenada a aturar aquele ser repugnante pelo resto da vida.
Jeitosinha estava imersa em sua reflexão quando alguém bateu à porta. Arlindo foi atender e deparou-se com uma morena exuberante, de mais ou menos trinta anos. Ela tinha cabelos negros e lisos, à altura dos ombros. Os olhos de um azul cristalino contrastavam com a pele clara. Mostrando um distintivo ela se apresentou:
- Sou a detetive Vanessa Valente, Polícia Civil. Vim investigar o desaparecimento do Sr. Ambrósio.
Todos na casa, inclusive o próprio Ambrósio, trocaram olhares surpresos.

Do outro lado da cidade, o angustiado Bruno toma sua decisão. Virando a arma em direção à própria cabeça, finalmente aperta o gatilho.

Ele morreu? Ele morreu?

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