domingo, 29 de março de 2009

Capítulo XXII - A Volta de Ambrósio


Marilena acordou em sua cama, e sua primeira visão foi Aníbal, um dos filhos menos importantes, daqueles que só fazem figuração na trama, sentado ao deu lado.
- Aníbal... que sonho horrível... pensei que seu pai...
- Não foi um sonho, mamãe. Ele voltou!
A mulher gritou em total desespero:
- Não pode ser! Não pode ser!
O filho estranhou a reação. Alheio aos problemas que infernizavam a vida de Marilena, Adenair e Jeitosinha, sem saber que Ambrósio era a causa de muito sofrimento, esperava da mãe uma manifestação de alegria.
- Mãe? Você não entende? O papai voltou! Meio caidaço, é verdade, mas está vivo! Você deveria estar feliz!
A mulher esboçou um sorriso forçado:
- Sim, meu amor, claro. Foi só o susto. Claro que estou feliz.
Neste instante, já de banho tomado e vestindo um velho e confortável pijama, Ambrósio entra no quarto.
- Marilena...
- É você mesmo, Ambrósio? - perguntou a mulher.
- Estou tão deformado assim? Claro que sou eu!
Ambrósio não tinha na voz a rispidez habitual. Parecia fragilizado. Sua fala era pastosa. Um canto da boca não se mexia e um fio permanente de baba escorria rumo ao pescoço.
- O que aconteceu com você?
- Não me lembro. Não consigo me lembrar de muita coisa. Vaguei pelas redondezas e aos poucos as memórias foram voltando. Nossa casa, você, nossos filhos...
- E sobre o acidente que o mutilou?
- Nada. Não me lembro de nada. Só vejo uma cena estranha, assustadora e irreal. Não quero falar sobre isso.
Os olhos do homem transmitiam o pavor que lhe causava a simples menção da cena. E a imagem que vinha à sua cabeça era a de um travesti, loiro e nu, empunhando uma serra elétrica.

No hospital público, Adenair acordava da anestesia.
- C-como foi a cirurgia, doutor? - perguntou ao homem de branco parado ao seu lado.
- Foi bem. Não consegui fazer um acabamento muito bom. Sabe como é, cirurgia plástica é uma coisa complicada... Mas eu mesmo já vi muita vagina mais feia por aí, hehehe...- o médico amigo de Dona Nair insistia em seu humor infame.
- Meu pênis, doutor, o que vocês fizeram com ele? Mesmo detestando o que ele considerava um corpo estranho, Adenair sabia que era um pedaço seu que havia sido extirpado. E lhe assustava a idéia de que ele pudesse ter ido parar num cesto de lixo hospitalar.
- Fizemos um transplante. Ele agora pertence a um sujeito que teve o seu cortado pela esposa ciumenta.
- Ah! - animou-se Adenair. - Quando recebo alta?
- Amanhã, se tudo correr bem.
"Vai dar tudo certo" - pensou o jovem, ou melhor, a jovem. "Vou virar uma linda mulher, como Jeitosinha, e conquistar o coração de Bruno!"

Em seu apartamento, Bruno ainda olhava fixamente a arma. Sentia-se ultrajado, perdido, confuso e traído. Mas não conseguia evitar que a imagem de sua loira amada lhe viesse à cabeça. "Onde ela estará agora?" - perguntava-se.
Mal sabia ele que Jeitosinha, naquele momento, abria a porta de entrada de sua casa para estar frente a frente com o pai que matara.

Qual será a reação de Ambrósio?

0 comentários: