quinta-feira, 2 de abril de 2009

Capítulo XXVI - A Mulher Inesquecível


Jeitosinha entregou ao pai uma caneta e um pedaço de papel.
- Assine esta folha em branco.
- M-mas, filha, você sabe que eu não tenho posses.
- Apenas assine!
Meio vacilante, Ambrósio escreveu seu nome no papel.
- Pronto. Estou livre agora?
- Sim. - disse a moça, sorrindo sarcasticamente.
- Tenha bons sonhos.
Jeitosinha foi para seu quarto e esperou pacientemente que todos voltassem para casa. A mãe, que sempre se envolvia nas atividades da Igreja, voltou de uma novena. Os irmãos foram chegando, um a um, se amontoando em volta da TV, como sempre faziam.
Normalmente Arlindo, mais arredio, preferia ficar lendo em algum canto da casa até que todos se recolhessem. Era a hora em que finalmente tinha a sala só para ele, e ficava zapeando os canais de TV.
No silêncio da madrugada, Jeitosinha aproximou-se de Arlindo, vestida como uma Diva do cinema. O longo vestido negro, que exibia seus ombros e expunha parte dos seios, a abertura lateral, por onde podia-se ver furtivamente a longa extensão de sua perna esquerda, o par de luvas cobrindo os braços até além do cotovelo... Tudo remetia à inesquecível Gilda.
Arlindo surpreendeu-se com a maturidade da beleza da irmã, que trazia em um copo uma dose de uísque.
- Sabe, irmão, às vezes a felicidade chega até nós por caminhos estranhos.
- O que você quer dizer? - espantou-se.
- Quero dizer que encontrei meu verdadeiro eu no bordel de Madame Mary. E devo isso a você.
Jeitosinha sorveu um gole generoso de uísque e ofereceu o copo ao irmão.
- Beba comigo. Vamos selar com esta dose de uísque a paz entre nós.
Arlindo pegou o copo com desconfiança. Mas a irmã acabara de provar da bebida, descartando a possibilidade de que estivesse envenenada.
Nervoso, ele bebeu todo o líquido do copo, devolvendo-o à loira.
Jeitosinha pegou uma pedra de gelo e passou provocativamente no pescoço e nos seios. Depois, debruçou-se sobre Arlindo, alisou sua coxa direita e, tocando os lábios em seu ouvido esquerdo, murmurou:
- Amanhã, irmão querido, todos nós começaremos uma vida nova.
A loira disse esta frase enigmática e se retirou.
O cruel Arlindo chegou a pensar que sua irmã estava tão desequilibrada quanto o pai.
Mas logo voltou a entreter-se com um filme barato de TV, antes de mergulhar em um sono profundo.

No hospital público, Adenaíra abria os olhos:
- B-bruno... Pensei que tinha sido um sonho.
- Estou aqui. Estou te esperando. - a frase brotou sem nenhuma convicção.
- Me esperando? - perguntou a nova irmã de Jeitosinha.
- Sim. Você precisa lutar. Precisa superar esta doença. Vou estar ao seu lado.
- Oh, Bruno! Você vai me dar uma chance?
- O tempo dirá. Por enquanto, prometo-lhe apenas minha atenção e minha amizade.
- Você não sabe como este simples fio de esperança me deixa feliz! - disse a moça, já com uma certa luz no rosto pálido e febril.

Na manhã seguinte, Arlindo acordou no mesmo sofá onde bebera com Jeitosinha. Entretanto estava cercado por policiais e algemado. No comando da operação, a detetive Vanessa dirigiu-se a ele, exibindo no semblante a realização pelo dever cumprido.
- Você está preso.
- M-mas... Eu não fiz nada! - espantou-se o rapaz. - Qual a acusação?
- Assassinato!
- Não! - o grito de Arlindo ecoou pela sala...

Quem morreu desta vez?


N.A. - There never was a woman like Gilda:

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