quinta-feira, 24 de julho de 2008

the unbearable lightness of reading

Sempre fui avesso à poesia. Sabe quando aqueles chatos bichos-grilos vinham nos botecos da vida perguntar se gostávamos de poesia para que comprássemos aqueles livrinhos de cordel? Detestava. Com o passar do tempo, no entanto, descobri, lendo, que a poesia pode ser muito mais agradável na leitura que a prosa. Quem tem um mínimo de sensibilidade não tem como não gostar disso:

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."

Este é o poema "Eros e Psique", de Fernando Pessoa, publicado pela primeira vez em Coimbra, maio de 1934.

0 comentários: